quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Eis que vieram Magos do Oriente... (Mt 2,1)

O “movimento criativo”, e portanto inaugural, de um texto, nunca é um exercício fácil. Selecionar e eleger as palavras apropriadas para a abertura de uma reflexão, especialmente para mim (que sou um perfeccionista), é sempre um desafio. Assim, expor as dificuldades, os percalços e trajetórias de tal ato é uma saída possível. Inicio o meu texto de abertura narrando brevemente como os Magos do Oriente, também chamados de Três Sábios do Oriente, Três Reis ou Reis de Colônia, tornaram-se tema de interesse em minhas pesquisas historiográficas e teológicas. 
Em 6 janeiro de 2007, coincidentemente Dia de Reis, a emissora televisiva Discovery Channel Brasil exibiu um episódio da série Detetives do Passado – Os Três Reis Magos1, escrito e apresentado pelo egiptólogo inglês Bob Brier, que guiava a audiência às questões mais fundamentais e muito debatidas pelos estudiosos acerca da historicidade e significação dos Reis Magos – cuja inserção no conjunto oficial dos textos bíblicos dá-se exclusivamente no Evangelho de Mateus, no Capítulo 2, versículos de 1 a 162. Esta discussão despertou-me para a complexidade e extensão do debate. Qual não foi minha surpresa quando, ao passar a investigar mais profundamente sobre o assunto, notei que no plano científico nacional as pesquisas concernentes ao tema eram reduzidas, com exceção, talvez, dos estudos das manifestações genericamente denominadas de Folias de Reis3, que recebem maior atenção de historiadores, antropólogos, jornalistas e folcloristas, mas, que constituem um fenômeno à parte no Brasil, ainda que estejam ligados às tradições dos magos.  
Estamos tão acostumados a ver no campo das Artes, em especial nas Artes Plásticas – em pinturas, mosaicos, estatuária, relevos, sarcófagos antigos, etc - os três régios visitantes do Oriente: Gaspar, Baltasar e Melchior (Melquior ou Belchior, outras grafias possíveis deste nome), carregando e ofertando o incenso, a mirra e o ouro4 ao menino Jesus, que tomamos muitas das dimensões das tradições litúrgicas cristãs ligadas ao Advento (a espera pelo nascimento de Jesus) e à Epifania (manifestação divina de Jesus reconhecida na visita e adoração dos Magos) como certas e quase inquestionáveis. Entretanto, a História e a Teologia permitem-nos levantar uma série de questões essenciais: o número, os nomes e a proveniência exatos dos magos, que ao contrário do que é dito e pensado pelo senso comum, não são descritos pelo Evangelho de Mateus; o valor e significados dos presentes ofertados; a natureza da Estrela de Belém, uma das questões acerca da natividade que mais tem chamado a atenção dos artistas, estudiosos e pensadores desde o século II d.C.; o ano do nascimento de Jesus, e por conseguinte o ano da visita dos Magos; a historicidade desta passagem do relato de Mateus, que para alguns estudiosos, sobretudo àqueles preocupados com o “Jesus Histórico”, é questionável e deveria ser interpretada como uma elaboração discursiva do hagiógrafo, uma midrash= “1. m. bíblica é a elaboração bastante livre de textos anteriores ou de tradições orais, com fina­li­dades teológi­cas ou de edificação. Desta maneira são tratados temas dos livros de Samuel e dos Reis pelos livros das *Crónicas; te­mas do êxodo e das pragas do Egipto pelo livro da *Sabedoria; etc. 2. m. ra­bí­nica é a releitura homilética de textos do AT para tirar conclusões morais [halaka] ou para edificar os fiéis [haggada]”5; e outras várias questões, cujas respostas nem sempre estão facilmente disponíveis ao nosso alcance.
Em nossos artigos, textos e reflexões futuros buscaremos apresentar alguns princípios de respostas a estas e muitas outras questões relativas ao estudo dos Magos evangélicos, mas, para além de dar respostas, pretendemos instrumentalizar nosso público leitor a fim de que ele mesmo tenha elementos básicos para pensar sobre o assunto de modo mais independente e fundamentado.
Mas por que estudar os Magos do Oriente? Qual a relevância de tal pesquisa? Oras, para responder esta pergunta ocuparíamos o espaço de outro post, assim, detemo-nos aqui em um único elemento, que julgamos ser central para responder a estas indagações: a remota antiguidade da tradição que celebra e rememora a visita e adoração dos Magos, a Epifania, que segundo crêem os estudiosos originou-se entre os cristãos do Egito do séc. II d.C. Esta celebração centrava-se nas manifestações da divindade de Jesus: no seu nascimento, na adoração dos magos, no seu batismo e no milagre das bodas de Caná. Foi no Oriente, então, que esta prática surgiu. Ao passo que no Ocidente, somente no século IV, esta festividade seria abraçada, quando aí a celebração do Natal já era comum6.       

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Notas e Referências Bibliográficas:
1. SPRY-LEVERTON, P. Detetives do Passado – Os Três Reis Magos. (45 minutos) The Learning Channel, UK: 2004, exibido pelo Discovery Channel Brasil em 6 janeiro de 2007.                                                          Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=CiXzGikLjrQ&feature=related .
2. Sempre utilizaremos em nossos estudos A Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Edições Paulinas, 1981, ou edições posteriores e revisadas.

3. Como pode ser lido em SILVA, Affonso M. Furtado da.  Reis magos: história, arte, tradições: fontes e referências. Rio de Janeiro: Léo Christiano Editorial, 2006, p.46-56 e em CAVALHEIRO, C.C. Folia de Reis em Sorocaba. Sorocaba, SP: Edição do Autor, 2007, p. 21-23.
4. Antigas tradições apontam que Gaspar, o mais jovem dos três, ofertara o incenso; Baltasar, o mago de idade intermediária, oferecera a mirra; e por fim, Melchior, já de idade avançada, levara o ouro. Conferir MACCA, M.; ALMEIDA, A. Santos Reis: protetores dos viajantes. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2003, p. 9-21.
5. FALCÃO, M. F. Enciclopédia Católica Popular (Paulinas Editora), vocábulo midrash.                                     Disponível em: http://www.portal.ecclesia.pt/catolicopedia/artigo.asp?id_entrada=1227 .
6. GULEVICH, T. Encyclopedia of Christmas and New Year’s celebrations. 2 ed. Detroit: Omnigraphics, 2003, p. 217-220; JONES, L. (ed.) Encyclopedia of religion. 2ed. Milwaukee: Macmillian Reference USA, 2005, vol.4, p. 2818; SALAMONE, F. A. (ed.) The Encyclopedia of religious rites, rituals, and festivals. Nova Iorque; Londres: Routledge, 2004, p. 126-129.

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